Lei Maria da Penha completa 19 anos em meio a crescimento alarmante da violência contra mulheres

Foto: Divulgação/Freepick

Nesta quinta-feira (7), a Lei Maria da Penha completa 19 anos de vigência, sendo reconhecida internacionalmente como uma das legislações mais avançadas no combate à violência contra a mulher. Apesar de seu caráter inovador e abrangente, o cenário atual revela um preocupante contraste entre os avanços legais e a efetividade prática da proteção às vítimas.

De acordo com dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no último mês, o Brasil registra, em média, quatro feminicídios e mais de dez tentativas de assassinato de mulheres por dia. Em 80% dos casos, os agressores são os próprios companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

Ainda mais alarmante é o fato de que, nos últimos dois anos, ao menos 121 mulheres foram assassinadas mesmo estando sob medida protetiva de urgência, dado revelado pela primeira vez em uma edição do anuário e considerado simbólico da fragilidade do sistema de proteção. Em 2023, das 555 mil medidas protetivas concedidas, ao menos 101.656 foram descumpridas.

Medidas protetivas e limitações do sistema

As medidas protetivas de urgência estão previstas na Lei Maria da Penha desde sua promulgação em 2006, tendo sido ampliadas em 2019 para permitir que autoridades policiais, além do Judiciário, possam concedê-las. No entanto, sua eficácia tem sido questionada por especialistas.

Para Isabella Matosinhos, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, embora as medidas possam ser decisivas na proteção da mulher, sua aplicação encontra entraves sérios:

“As políticas públicas precisam observar os casos em que a medida é ineficaz, quando não consegue impedir a continuidade da violência.”

Isabella também aponta que os dados podem estar subnotificados, uma vez que nem todos os estados encaminham informações completas aos órgãos de monitoramento.

Atendimento em rede e desafios estruturais

A Lei Maria da Penha prevê um atendimento em rede, envolvendo setores como a saúde, assistência social, educação e segurança pública. Entretanto, a implementação prática dessa articulação ainda é incipiente, especialmente fora das capitais.

“É muito difícil que exista o funcionamento integrado dessas redes”, destaca Isabella, observando que a fiscalização ativa dos agressores por parte das polícias deveria ser intensificada.

A professora Amanda Lagreca, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reforça que o combate à violência requer políticas públicas que compreendam a complexidade da realidade das mulheres brasileiras.

Ela salienta que, embora a legislação seja abrangente, o interior do país carece de investimentos consistentes para garantir que a rede de proteção funcione de maneira eficaz.

O anuário também aponta que 63,6% das vítimas de feminicídio eram mulheres negras, e 70,5% tinham entre 18 e 44 anos, revelando o recorte racial e etário da violência de gênero no Brasil. “A maioria dessas mulheres é assassinada dentro de casa por homens. Jovens e negras são as mais atingidas”, alerta Isabella.

Prevenção e mudança de consciência

As especialistas destacam que, além da punição, é necessário investir em medidas educativas, como a participação dos agressores em grupos reflexivos. Amanda Lagreca observa que há uma tendência legislativa de aumentar penas, mas isso não resolve o problema em sua raiz.

“A Lei Maria da Penha é fruto da luta da sociedade civil e enquadra a violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos. No entanto, é preciso ocupar espaços de formação de consciência, como as escolas, para transformar mentalidades.”

A lei foi inclusive reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das legislações mais importantes do mundo na área de direitos das mulheres. Um dos avanços mais recentes foi a inclusão da violência psicológica como forma de agressão passível de punição.

Serviço

Mulheres que sofrem violência podem solicitar medidas protetivas junto à polícia ou ao Judiciário. No entanto, para prevenir as primeiras agressões, é essencial uma mudança cultural e uma atuação eficaz do poder público em rede.

“Esse agravamento da violência de gênero é o grande gargalo da democracia brasileira. As mulheres estão morrendo simplesmente por serem mulheres. A Lei Maria da Penha seguirá sendo um instrumento essencial de combate”, conclui Amanda Lagreca.

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